PAULO ARTAXO (Paulo Eduardo Artaxo Netto) e DÉLCIO RODRIGUES
O texto que segue é reprodução fiel de partes da matéria dos autores citados, publicada na USP em 2019. Foram excluídos gráficos e imagens ilustrativas, por não conseguir as reproduções.
Sendo publicação com tema de alta relevância e incomensurável importância, não resisti ao ímpeto de a reproduzir. Antes, sem sucesso tentei contatos na procura de obter prévia autorização. Entendendo ser publicação útil, e disponível na Internet, assumi a liberdade da divulgação, me comprometendo à sua imediata exclusão se assim determinado.
- OBSERVE – Os comentários, previsões e alertas declarados pelos autores em 2019 estão se confirmando drasticamente na atualidade.
INTRODUÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
EM NOSSO PLANETA E NO BRASIL – 2019
- PAULO ARTAXO – Paulo Eduardo Artaxo Netto – Graduado em Física pela Universidade São Paulo (1977), com mestrado em Física Nuclear pela USP (1980), é doutor em Física Atmosférica pela USP (1985). Trabalhou na NASA (Estados Unidos), Universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (Estados Unidos). Atualmente é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP, especialista em física aplicada a problemas ambientais. É membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e do INCT Mudanças Climáticas. Coordena o Centro de Estudos Amazônia Sustentável (CEAS) da USP.
- DÉLCIO RODRIGUES – Físico, ambientalista, empresário e diretor executivo do Instituto ClimaInfo.
É inequívoco que o clima de nosso planeta está mudando.
Vemos os sinais dessa mudança através de vários indicadores ambientais: aumento de temperatura, alterações no ciclo hidrológico, derretimento de geleiras continentais, redução de gelo no Ártico, aumento do nível do mar, entre outros efeitos.
As emissões de gases de efeito estufa, desde a Revolução Industrial (1850), ocorrem através de processos como a queima de combustíveis fósseis, desflorestamento de florestas tropicais, atividades industriais e produção de cimento, desenvolvimento da agricultura e pecuária e processos industriais.
O crescimento populacional e o aumento do consumo fizeram com que a exploração de recursos naturais em nosso planeta tomasse uma escala capaz de afetar a composição da atmosfera. Essa “ocupação” do planeta Terra pela nossa civilização caracteriza a chamada era do Antropoceno, em que as atividades humanas atingiram dimensões planetárias.
Cerca de 20% da Floresta Amazônica foi desmatada, e 85% da geração de energia global vem da queima de combustíveis fósseis. Alguns gases como o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), ozônio (O3) e óxido nitroso (N20) absorvem a radiação infravermelha emitida pelo nosso planeta e retornam essa radiação (que é calor) para a superfície terrestre, aquecendo-a.
Hoje, a humanidade emite cerca de 42 Giga toneladas (Gt) de CO2 por ano devido à queima de combustíveis fósseis (90%) e desmatamento (10%).
A concentração de CO2, que é o principal gás de efeito estufa, aumentou de 280 partes por milhão (ppm) no início da Revolução Industrial para 404 ppm em 2018.
A ONU estruturou um painel de cientistas, o IPCC (sigla do inglês Intergovernamental Panel on Climate Change) que a cada cinco anos publica uma extensa compilação de publicações cientificas sobre o clima de nosso planeta, bem como dos impactos e das ações necessárias para mitigar as mudanças climáticas.
O IPCC foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007, juntamente com Al Gore, por seu trabalho científico alertando a população e nossos governantes sobre os efeitos e estratégias para minimizar os impactos. Os dois últimos relatórios do IPCC são o Quinto Relatório de Avaliação de 2013, e o Relatório Especial do IPCC sobre o Aquecimento Global de 1,5 °C de 2018.
Um dos importantes aspectos das mudanças climáticas é o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos (secas, inundações, furacões etc.) que tem fortes impactos socioeconômicos na agricultura e em áreas urbanas.
AS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA DO BRASIL
O Brasil, como uma das maiores economias do nosso planeta, tem emissões significativas de gases de efeito estufa. As cinco principais atividades responsáveis por emissões de gases de efeito estufa do Brasil são: (1) mudanças de uso do solo; (2) agropecuária; (3) setor energético; (4) indústria; e (5) resíduos.
Em 2017, nosso País emitiu 2.071 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2). Em termos dos diferentes gases de efeito estufa, o CO2 domina as emissões com 66%, seguido pelo CH4, com 25%, e o N2O, com 8%.
A atividade agropecuária é a principal responsável pelas emissões brasileiras de gases de efeito estufa, se incluirmos as emissões diretas, principalmente de metano do rebanho bovino, e as emissões indiretas associados ao desmatamento da Amazônia e Cerrado. O agronegócio respondeu por 71% das emissões totais do País em 2017.
O setor de energia aumentou suas emissões por fator 2.6, enquanto a agropecuária dobrou suas emissões nos últimos 15 anos. As emissões associadas ao desmatamento estão tendo crescimento desde 2013, após uma forte queda de 2004 a 2012.
A queda no desmatamento mostra que é possível reduzir as emissões do setor, desde que políticas públicas baseadas em ciência sejam implementadas de modo sustentável e por longo prazo.
No setor de energia, o transporte é o principal emissor, seguido pelo consumo energético da indústria e pela geração de eletricidade. As emissões provenientes da geração de eletricidade estão tendo significativo aumento, devido à queda da geração de energia em hidrelétricas, com o consequente aumento da geração termoelétrica a combustível fóssil.
A geração solar e eólica está tendo um grande crescimento no Brasil, mas sua magnitude ainda não é significativa.
O AUMENTO DE TEMPERATURA
E ALTERAÇÕES NAS CHUVAS ESPERADAS PARA O BRASIL
O aquecimento global já está afetando significativamente o clima de nosso país.
O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) realizou uma extensa compilação do impacto das mudanças climáticas no Brasil e fez previsões sobre o aumento de temperatura no país de acordo com os vários cenários do IPCC.
Existem significativas incertezas nas previsões climáticas ao longo deste Século. Essas incertezas ocorrem pela dificuldade de derivarmos cenários de emissões realistas ao longo das próximas décadas.
Essas alterações na temperatura e na chuva vão impactar significativamente a produtividade agrícola em todo o território nacional, de acordo com estudos recentes do Banco Mundial e da EMBRAPA.
As áreas urbanas também serão afetadas com crises hídricas, como a que a área metropolitana de São Paulo teve de 2013 a 2017.
As extensas áreas costeiras do Brasil vão sofrer impactos importantes do aumento do nível do mar, previsto para ser em média de 60 a 120 cm ao longo deste século.
Até o momento, o aumento global médio documentado do nível do mar é de cerca de 23 cm, mas esse aumento é altamente heterogêneo, com algumas regiões onde o nível do mar já subiu mais que 30-40 cm. Algumas regiões, como Recife e Santos, já estão sofrendo impactos do aumento do nível do mar.
IMPACTOS NA REGIÃO AMAZÔNICA
Uma região brasileira particularmente sensível às mudanças climáticas é a região amazônica. Isso ocorre porque a floresta tropical chuvosa depende de fluxos altos de precipitação e é um ecossistema particularmente sensível ao aumento de temperatura.
A Amazônia armazena grandes quantidades de carbono na biomassa, da ordem de 100 a 200 toneladas por hectare. Se parte desse carbono for mobilizado para a atmosfera vai agravar as mudanças climáticas globais. A Amazônia tem sofrido pressões para mudanças de uso de solo pelo setor agropecuário. Cerca de 20% da floresta original no Brasil já foi desmatada.
Observamos uma forte redução no desmatamento de 2002 a 2012, e um aumento no desmatamento nos últimos seis anos. A taxa atual de desmatamento de 7.900 km2 por ano, observada em 2017-2018 é extremamente elevada, e políticas públicas para sua redução são essenciais.
A tentativa anterior – o Protocolo de Quioto -, adotado em 1997 na cidade que lhe emprestou o nome, falhou por ter imposto reduções de emissão mandatórias e diferenciadas entre países ricos (os do Anexo I da UNFCCC) e países pobres.
Seguindo um caminho completamente diferente, o acordo de Paris se viabilizou por ser composto de contribuições definidas nacional e soberanamente, conhecidas pela sigla inglesa NDC (Nationally Determined Contributions), o que criou espaço para acomodar os distintos contextos políticos e económicos de cada nação participante.
O acordo de Paris teve uma trajetória de recordes: foi o tratado internacional que mais obteve assinaturas no menor tempo e o que entrou em vigor em tempo recorde por conta da ratificação rápida de centenas de países.
O acordo entrou em vigor em 4 de novembro de 2016, um mês depois do marco definido para tal ter sido alcançado. Segundo o texto do acordo, este entraria em vigor depois de sua ratificação por pelo menos 55 nações responsáveis por pelo menos 55% das emissões globais, o que foi alcançado no dia 5 de outubro de 2016. Até o final de 2018, 184 nações das 197 que tomam parte da UNFCCC o tinham ratificado.
Os objetivos centrais do acordo são “manter o aumento da temperatura média global em bem menos de 20 °C acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”.
Entretanto, o acordo não prevê penalidades para os países que não cumprirem suas metas. Adicionalmente, fica muito claro que se todos os países cumprirem 100% de suas metas, o aumento de temperatura será de 2.7 graus ao longo deste século, e não de 2.0 graus como na meta do acordo.
Importante lembrar que um aquecimento médio de 2.7 graus impacta em aumento de temperatura em áreas continentais de 3 a 3.5 graus, o que é muito acima da meta do Acordo de Paris. Com esse nível de aumento projetado de temperatura, os impactos ambientais serão muito expressivos para o Brasil, em particular no Nordeste do Brasil e na Amazônia.
Para que os objetivos do acordo sejam alcançados, é fundamental que os países aumentem seu grau de ambição de corte de emissões e façam contribuições adicionais nos momentos previstos para a revisão das NDC, a cada cinco anos a partir do início de sua vigência.
Mas aumentar a ambição para quanto?
O relatório do IPCC, feito a pedido dos países signatários do acordo para avaliar os passos necessários para o alcance do objetivo de 1,5 °C, tem uma mensagem clara: para manter o aquecimento 1,5 °C, as emissões de CO2 teriam que diminuir em cerca de 45%, entre 2010-2030, e chegarem à emissão líquida zero em 2050. Isso é significativamente mais rápido do que o necessário para limitar o aquecimento em 20 °C, cenário que geraria uma redução de emissões de cerca de 20%, em 2030, e emissão líquida até 2075.
A NDC BRASILEIRA E SUA IMPLEMENTAÇÃO
O Brasil é signatário do acordo de Paris.
Os compromissos voluntários (NDCs) brasileiros são extensos e lidam com uma série de medidas em termos redução de desmatamento, reflorestamento e mudanças na matriz energética.
O objetivo geral é reduzir emissões de gases de efeito estufa (CO2, CH4, PFCs, HFCs, SF6) em 37% até 2025 e redução de 43% em 2030, tendo como de referência 2005.
Importante salientar que é uma das metas de maior redução de emissões entre os países signatários do acordo de Paris com grandes emissões. Para tanto, o governo brasileiro comprometeu-se a:
- aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030;
- fortalecer o cumprimento do Código Florestal, em âmbito federal, estadual e municipal;
- desmatamento ilegal zero até 2030 na Amazónia brasileira e compensação das emissões provenientes da supressão legal da vegetação até 2030;
- restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, múltiplos usos;
- restauração adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030; e,
- participação de 45% de energias renováveis na matriz energética em incluindo a expansão do uso de fontes renováveis, além da energia na matriz de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030.
A NDC brasileira foi bem recebida por ativistas, pela mídia internacional e pelo setor privado, principalmente por ter sido o primeiro compromisso de condução absoluta de emissões feito por um país em desenvolvimento. No entanto, o resultado da implantação total do compromisso proposto implica um pequeno aumento nas emissões atuais do País, resultante da dinâmica das emissões mudança do uso da terra e do setor de energia, a primeira em queda no período recente e a segunda em crescimento constante em um período muito mais longo.
Isso porque as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa apresentadas pelo governo brasileiro eram baseadas em emissões do ano base de 2005, um dos mais altos em termos de emissões associadas ao desmatamento da Amazônia.
Isso facilita que a meta brasileira no acordo de paris seja cumprida.
Entretanto, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 é uma das componentes que dificilmente será cumprida, bem como atingir desmatamento ilegal zero, pois observamos que em 2018 ocorreu uma forte pressão do agronegócio para diminuir a fiscalização de desmatamento, bem como flexibilizar a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Para que o Brasil atinja suas metas, uma visão de longo prazo, com perspectiva de preservação da floresta amazônica é necessária, além de uma política de contenção ao setor do agronegócio. Também são necessárias políticas de melhoramento do setor de transporte em áreas urbanas, com menores emissões, através de eletrificação da frota e investimentos em transporte público de qualidade para a população. Uma forte expansão do parque de geração eólico e fotovoltaico é necessária para atender à demanda de eletricidade ao longo das próximas décadas.
CONCLUSÃO
Com o avanço da pesquisa científica sobre as causas e efeitos das mudanças climáticas globais, tem-se tornado cada vez mais preocupante a situação do Brasil, tanto em termos de sua vulnerabilidade aos impactos das mudanças no clima, quanto no que diz respeito ao seu papel de grande emissor de gases de efeito estufa.
As previsões de aumento da temperatura média e de períodos secos na região central do País, de aumento dos níveis do mar, de alterações do regime hidrológico etc., indicam efeitos negativos sobre um dos pilares da economia nacional – a agricultura -, bem como acendem o sinal amarelo para a segurança energética, uma vez que a maior parte da geração elétrica do país depende da hidroeletricidade.
Mais que isso, referidas previsões indicam um potencial de impactos nas regiões mais populosas e nas cidades que já sofrem problemas de infraestrutura no que diz respeito ao controle de inundações e ao abastecimento de água.
Esse quadro se torna mais complexo, ao lembrarmos que é justamente a população mais pobre a que se localiza em áreas de risco e a que já sofre com falta de acesso a serviços básicos.
Os dados científicos apresentados neste capítulo também mostram que é possível conciliar o controle do desmatamento com o desenvolvimento econômico, bem como reforçam o potencial do País de expandir sua matriz energética renovável.
Para tanto, se faz necessária a efetiva implantação das políticas públicas de controle do desmatamento e de proteção florestal existentes, bem como se torna essencial o planejamento e o investimento focados na renovabilidade da matriz energética.
PDF ORIGINAL DE PAULO ARTAXO E DÉLCIO RODRIGUES
BASES CIENTÍFICAS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS – 2019
- PAULO ARTAXO – Paulo Eduardo Artaxo Netto – Graduado em Física pela Universidade São Paulo (1977), com mestrado em Física Nuclear pela USP (1980), é doutor em Física Atmosférica pela USP (1985). Trabalhou na NASA (Estados Unidos), Universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (Estados Unidos). Atualmente é professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP, especialista em física aplicada a problemas ambientais. É membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e do INCT Mudanças Climáticas. Coordena o Centro de Estudos Amazônia Sustentável (CEAS) da USP.
- DÉLCIO RODRIGUES – Físico, ambientalista, empresário e diretor executivo do Instituto ClimaInfo.
Paulo Dirceu Dias
paulodias@pdias.com.br
Sorocaba – SP
21/09/2024