INCRIVELMENTE VERGONHSO – O que está em jogo
O grupo político chamado Centrão vem articulando Proposta de Emenda à Constituição que pretende restabelecer, e até endurecer, a chamada licença prévia para que parlamentares sejam alvo de investigação ou processo criminal.
Na prática, a proposta exige que a Câmara ou o Senado liberem, por voto interno, a abertura de investigações contra deputados e senadores, devolvendo ao Parlamento poder de barrar apurações que hoje correm diretamente na Justiça ou no Ministério Público.
Essa proposta ganhou força logo após as ilegais ocupações das mesas diretoras, por manifestantes bolsonaristas, e tem grande apelo entre aliados do ex-presidente.
Motivação real: blindagem pessoal sob verniz institucional
A justificativa pública costuma ser retórica sobre autonomia do Legislativo e defesa do funcionamento das instituições. A motivação real, porém, é clara e muito mais prosaica: autoproteção.
Ao condicionar investigações a aval do próprio Congresso, deputados e senadores criam filtro político capaz de barrar procedimentos incômodos, especialmente aqueles que poderiam atingir figuras hoje no centro de inquéritos e processos relacionados à tentativa de golpe e à coação à Justiça.
Em outras palavras: transforma-se controle institucional em escudo pessoal.
Reportagens recentes que analisam o chamado “pacote da impunidade” descrevem exatamente essa tentativa de transformar regras do processo penal em mecanismo de proteção parlamentar.
Consequências práticas imediatas
Se aprovada, a licença prévia tende a gerar efeito duplo e perverso: primeiro, reduzirá drasticamente a capacidade de investigação, porque investigações exigirão passo político antes de avançar; segundo, criará desigualdade perante a lei, cidadãos e autoridades comuns continuam sujeitos a investigação, enquanto parlamentares teriam, formalmente, um privilégio adicional.
Além disso, a medida tem grande potencial de gerar impunidade processual por morosidade, negociação política e chantagem legislativa. Fontes jornalísticas apontam que o conjunto de medidas que tramita no Congresso poderia tornar investigações praticamente inviáveis contra deputados e senadores.
Impacto sobre o Supremo e casos em andamento
Embora alguns defensores argumentem que a mudança não retroagirá a processos já em curso, a alteração das regras institucionais cria interpretações e manobras que podem, sim, interferir no curso de ações relevantes, inclusive aquelas já relatadas no STF.
Isso alimenta a percepção, amplamente noticiada, de que há uma tentativa coordenada de deslocar ou paralisar julgamentos sensíveis, especialmente os que envolvem atores vinculados às recentes tentativas de subversão institucional.
A proposta e seu timing, logo após o motim e com relatoria de casos sensíveis no STF, reforçam a suspeita de que o objetivo não é aprimorar a democracia, e sim blindar implicados.
O truque institucional: parecer legal, com resultado político
A emenda não se apresenta como um ataque aberto ao Judiciário; ao contrário, vem revestida em linguagem técnica e jargões constitucionais. Esse é o truque: transformar uma manobra política em debate jurídico para dar aparência de legitimidade.
Enquanto os parlamentares discutem artigo por artigo, há negociações internas, trocas de favores e pressões por cargos e emendas. O resultado previsível é um texto que, formalmente técnico, será funcionalmente um instrumento de autodefesa para quem o promove. Jornalistas e analistas já passaram a denominar esse conjunto de propostas como um “pacote” que busca inviabilizar investigações.
Consequências políticas e eleitorais
Politicamente, a manobra é gambito curto: garante proteção imediata para deputados e senadores mais vulneráveis. Eleitoralmente, porém, pode render custo para o Legislativo como um todo, sobretudo se a população perceber claramente que a Casa prioriza a blindagem própria em vez de legislar em favor do interesse público.
A prática de legislar em causa própria tende a corroer confiança e aumentar o descrédito nas instituições, o que alimenta cinismo cívico e radicalização política. A imprensa e parte da sociedade já sinalizam que o movimento será visto como tentativa de impunidade organizada.
Conclusão
Que seja dito com todas as letras: transformar o Parlamento em tribunal de exceções para os próprios membros é traição ao mandato.
Parlamentar jura cumprir a Constituição e legislar em favor do povo; não jurou fundar uma cartilha de proteção para si e para aliados.
A PEC proposta pelo Centrão é operação de autorretrato: mais interesse em blindagem do que em governança.
É revoltante que, enquanto milhões esperam soluções para saúde, educação, segurança e emprego, uma parcela dominante do Congresso dedique energia e manobras legislativas a criar muletas jurídicas para seus próprios escândalos.
Repúdio, portanto, enérgico e público: que defendam a Constituição de fato, e não apenas quando isso não atingir seus privilégios.
Fontes; pesquisas virtuais.
Paulo Dirceu Dias
paulodias@pdias.com.br
Sorocaba – SP
12/08/2025